1 de setembro de 2011

À espera da Melancolia

Por Julia Viegas


A aproximação do planeta Melancholia traz efeitos nefastos sobre nós. Vamos descobrindo ao longo do filme. Primeiro, os humores parecem alterados, pessoas são demasiadamente sinceras. A proximidade de algo inusitado faz cair máscaras sociais. Uma festa luxuosa, o casamento de Justine. Um castelo e uma longa área verde. Organizado por sua irmã super-protetora Claire. E bancada pelo cunhado mal-humorado Michael. O marido de Claire sabe tudo de astronomia e calcula minuciosamente o que vai acontecer. No entanto, não explica. Quando vão surgindo os efeitos, ele vai tratando de acalmar a esposa. Ocorrem coisas belas e assustadoras. Como, chuvas de algo como pétalas brancas de flores; raios lilases aparecem nas antenas parabólicas e até mesmo nos dedos de Justine (algo meio spider-man mesmo); os cavalos se agitam furiosamente e o efeito principal: perde-se a respiração.
Pois, foi justamente o que eu senti. Michael explica à aflita Claire, que  cuida do filho de poucos 5 ou 6 anos e de sua irmã mais nova – apesar de Justine estar imune ao acontecimento – o planeta Melancholia, ao entrar na órbita terrestre, suga o oxigênio de nossa atmosfera. Estava explicado. Só que, para mim, teve muito mais: chorei com Justine por sua dificuldade em mover as pernas, na sua dor, na perda do paladar. Em frente à banheira, chorei com Claire e Justine, essas duas irmãs maravilhosas, opostas e complementares. Revoltei-me junto com Justine quando sozinha no escritório do cunhado. Aplaudi seu gesto de rebeldia ao arrancar todos os livros de arte abstrata, geométrica, quadrada, expostos nas prateleiras e colocar força, dor, vivacidade: Caravaggio, Brueguel, Bosch. Tudo o que é humano e ferve. Quebrou-se o encanto da “festa de princesa”, passou da meia-noite e as coisas começaram a ser verdadeiras. Abriram as portas da percepção de William Blake. Emocionei-me com a heroína Claire, incorporada pela fabulosa Charlotte Gainsbourg – estou realmente começando a ficar fã dessa atriz, assim como sou de seu pai, desde o Anticristo, onde ela interpreta uma personagem totalmente diferente de Claire. Quanto ao Lars Von Trier, vou amá-lo sempre. Uma sina cinéfila de sua realidade; identificação. Pode falar a besteira que for. Pessoas como ele estão acima do bem e do mal. Von Trier é o Nietzche do cinema contemporâneo. Agradecida por sua coragem e capacidade de mostrar na tela o que muitos fecham os olhos para ver: o ser humano em seu estado bruto. E aí falo de todos os seus filmes, de Zentropa à Dogville (espetacular!), de Dançando no Escuro ao estupendo Festa de Família. Algo diferente a partir de Anticristo: parece-me que Von Trier vai mudando seu estilo, abandonando a câmera na mão e adotando uma estética visual mais sofisticada. Não sei se isso é bom. É diferente. Gosto dos dois. Gosto de tudo. Dele, meu Godard contemporâneo. E quem não gostar, seus dedos dizem tudo: F-U-C-K. Os gênios são assim.


Charlotte Gainsbourg interpreta Claire








Lars Von Trier

E a mão do diretor, que conduz os filmes...



















                           Nicole Kidman no insuperável Dogville





Um comentário:

  1. Filme excelente. Detalhes vívidos das sensações de alguém clinicamente depressivo. Referências de Hollywood que funcionam como alegorias para a condição humana. As artes visuais capturaram Lars Von Trier. Na segunda parte do filme, a filha do espirituoso Serge Gainsbourg supera indubitavelmente a protagonista do filme, Kirsten Dunst, com uma personagem que repercute os nossos medos e angústias, além das possíveis reações diante de Melancholia.

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